Assim ele vira herói, doutores

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Quem me acompanha sabe que não morro de amores pelo ex-presidente Lula, que penso que o PT já perdeu o prazo de validade e que eu gostaria que a presidente Dilma Roussef (presidenta só para os aliados, a militância e a mídia chapa branca) já tivesse sido apeada do poder. Como cidadão adoraria ver Luiz Inácio Lula da Silva preso, assim como todos os saqueadores da Petrobras, petistas ou não. Porém, enquanto profissional de imprensa tenho de deixar meus desejos pessoais de lado e me pautar na legalidade que deveria conduzir tudo nesse país e o fato é que andam metendo os pés pelas mãos quando tentam fazer justiça em relação a Lula, promovendo um atropelo que o faz ser visto como vítima diante de todos e transforma os afobados fazedores de justiça em cabos eleitorais do cacique de língua presa.

 

Aquela operação cinematográfica realizada na semana passada para uma desnecessária e ilegal condução coecirtiva deu a Lula muito mais do que ele precisava para se fazer de coitado, ilustrar seu batido discurso e reforçar a teoria da conspiração. Qualquer estagiário de Direito sabe que para alguém ser levado coecirtivamente a depor precisa antes ter se recusado a atender uma intimação para tal. Não foi o caso do ex-presidente, mas mesmo assim um caro esquema foi montado para tirá-lo de seu apartamento e levá-lo ao escritório da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas.

Depois dessa pisada na bola veio o pedido de prisão preventiva assinado pelo promotor Cássio Conserino do Ministério Público de São Paulo e que, tudo leva a crer, deverá ser negado pela juíza Maria Priscilla Ernandes, da 4ª Vara Criminal da capital paulista. Não sou jurista, mas também não sou nenhum tapado: o que li da peça de acusação do MP paulista não tem força suficiente para resultar na prisão preventiva de ninguém, muito menos na de um ex-presidente da República, seja ele petista ou tucano. Muitos medalhões do direito já se pronunciaram sobre isso e disseram tratar-se de uma forçação de barra e tanto. Contra isso também já se posicionaram dezenas de promotores e procuradores do MP, MPF e do Ministério Público do Trabalho, que decidiram emitir uma nota conjunta, na qual pedem uma reflexão para que Brasil não retroceda depois de “anos de ditadura, com perseguições política, sequestros, desaparecimentos e mortes”.

No documento eles afirmam que:

1. É ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o processo de desenvolvimento político, social, econômico e jurídico de nosso país, e todos os participantes de cadeias criminosas engendradas para a apropriação e dilapidação do patrimônio público, aí incluídos agentes públicos e privados, devem ser criteriosamente investigados, legalmente processados e, comprovada sua culpa, responsabilizados.

2. Mostra-se fundamental que as instituições que compõem o sistema de justiça não compactuem com práticas abusivas travestidas de legalidade, próprias de regimes autoritários, especialmente em um momento em que a institucionalidade democrática parece ter suas bases abaladas por uma polarização política agressiva, alimentada por parte das forças insatisfeitas com a condução do país nos últimos tempos, as quais, presentes tanto no âmbito político quanto em órgãos estatais e na mídia, optam por posturas sem legitimidade na soberania popular para fazer prevalecer sua vontade.

3. A banalização da prisão preventiva – aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito. Em primeiro lugar, porque o indivíduo a quem se imputa crime somente pode ser preso para cumprir pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). Em segundo, porque a prisão preventiva somente pode ser decretada nas hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de violação ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).

4. Operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos de investigações em andamento, podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e imprensa. Afora isso, a cobertura televisiva do cumprimento de mandados de prisão, de busca e apreensão e de condução coercitiva – também utilizada indiscriminada e abusivamente, ao arrepio do art. 260 do Código de Processo Penal – redunda em pré-julgamento de investigados, além de violar seus direitos à intimidade, à privacidade e à imagem, também de matriz constitucional (CF, art. 5º, X). Não se trata de proteger possíveis criminosos da ação estatal, mas de respeitar as liberdades que foram duramente conquistadas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.

5. A história já demonstrou que o recrudescimento do direito penal e a relativização de garantias não previnem o cometimento de crimes. Basta notar que já somos o quarto país que mais encarcera no mundo, com mais de 600 mil presos, com índices de criminalidade que teimam em subir, ano após ano. É certo também que a esmagadora maioria dos atingidos pelo sistema penal ainda é proveniente das classes mais desfavorecidas da sociedade, as quais sofrerão, ainda mais, os efeitos perversos do desrespeito ao sistema de garantias fundamentais.

6. Neste contexto de risco à democracia, deve-se ser intransigente com a preservação das conquistas alcançadas, a fim de buscarmos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Em suma, como instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público brasileiro não há de compactuar com medidas contrárias a esses valores, independentemente de quem sejam seus destinatários, públicos ou anônimos, integrantes de quaisquer organizações, segmentos econômicos e partidos políticos.

Comentários:

  1. Concordo em parte Elizeu.Não se esqueça que a Justiça avalia e questiona.Cabe a ambas as partes, provar, concluir mediante uma contestação convincente.Como bom corintiano só vejo o Lula posando de vitima diante de situação sujeita a qualquer cidadao.

  2. Concordo em parte Elizeu.Qualquer cidadão está sujeito a questionamento e avaliação da Justiça.Como bom corintiano penso Lula está apenas posando de vitima.

  3. Meu caro, o Elizeu Pires sempre usou a razão em vez do coração. Esse é o diferencial dele diante dos que hoje saíram da toca para criticarem em Magé. Eu também acho que visando Lula acabou-se dando dois tiros no pé.

  4. Não sou advogado e entendo muito pouco do assunto, mas Lula pouco antes de ser levado coercitivamente, tentou um habeas corpus justamente para não depor coercitivamente no MP. E não conseguiu.

    O mandato de condução coercitiva expedido pelo juiz Moro dizia o seguinte:

    “O mandato só deve ser utilizado e cumprido, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a faze-lo”. E ele se recusou.

    Não vi ilegalidade no fato e muito menos um tiro no pé.

    O fato de ser um ex-presidente não dá a Lula nenhuma garantia a mais do que qualquer brasileiro tem.

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