Tristeza com hora marcada

(Em memória de Neuza Pires de Souza Gomes)

 

A minha cidade tinha dois serviços de alto-falante. Eram as difusoras locais. Um era mantido pela Matriz de Santo Antonio, e o outro pela Legião da Boa Vontade. Do primeiro eu não gostava nem um pouco. É porque nos finais de tarde, na hora da transmissão da Ave Maria, era despertado para uma realidade que muito me angustiava. O segundo tocava os sucessos musicais da época. Todos os dias ouvia Ângela Maria cantando “Cinderela” e eu viajava escutando a canção… Também tinha o Ataulfo Alves, filho ilustre do “Pequenino Mirai”, entoando uma homenagem a seu berço.

Mãe de onze filhos, dona Neuza, razão maior da minha vida, mesmo quase sempre doente, se desdobrava para cuidar da casa. Quando chegava a noite, quando os sinos da matriz dobravam anunciando a hora da Ave Maria, minha mãe já havia se recolhido, vencida pelo cansaço de um dia de muito labor…

Entrava no quarto e a via inerte sobre a cama. Sentava-me ao lado e me entregava a uma prece silenciosa.

Ela nunca soube disso, mas enquanto o serviço de alto-falante da matriz transmitia a Ave Maria, um menino triste rogava a Deus, intercedendo por sua mãe debilitada.

Em minha inocência eu atribuía àquela hora a minha tristeza e a debilidade física da minha mãe, e acho que o meu amiguinho lá de cima ouviu cada palavra que meu pequeno e entristecido coração enviava ao céu numa espécie de Código Morse com o seu tic-tac, pois pude viver deliciosos anos ao lado de minha mãe, dona Neuza Pires de Souza Gomes.

Feliz dia das mães para todas as Neuzas e Marias; para todas as que fazem de suas vidas o sacerdócio de cuidar e externizam o amor explícito em sorrisos e broncas.

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