No Mês da Água, quando o Instituto Trata Brasil, referência em indicadores de saneamento, divulgou que cerca de 90 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto e que o tratamento é o serviço que está mais atrasado quando olhamos para as metas de universalização até 2033, duas cidades da Baixada Fluminense – Japeri e Queimados – começam uma caminhada para saírem dessa estatística. Ontem (26), a Águas do Rio deu início às obras de implantação dos sistemas de esgotamento sanitário, inexistente nessas cidades.
Com investimento de R$ 640 milhões, serão instalados aproximadamente 700 km de redes – o dobro da distância entre Rio e São Paulo – e mais de 60 estações elevatórias, responsáveis por bombear o esgoto até a Estação de Tratamento Queimados, que será construída no bairro Jardim Queimados, num terreno bem perto de Engenheiro Pedreira, distrito de Japeri.
Além do esgoto doméstico gerado pelos 270 mil moradores, a estação, com capacidade para tratar 600 litros por segundo, vai atender uma parte de Nova Iguaçu.
A obra de implantação de rede começou na Rua Maria Isabel, no bairro Cosme e Damião, em Japeri, onde existem 234 residências. Mas a esperança de melhorar a qualidade de vida com o saneamento já correu a cidade. É o que está sentindo Larissa Pimenta, que mora no bairro São Jorge, a 15 km dali, e sabe bem os problemas do contato com o esgoto.
“Todo o esgoto da vizinhança fica bem atrás da minha casa. A gente já se acostumou com o mau cheiro, mas, se chega visita, ficamos com vergonha. Tem muitos ratos e mosquitos. Sempre que chove forte, essa água com esgoto entra na minha casa. Meu filho já pegou bicho-de-pé brincando no quintal, minha mãe é alérgica, foi picada por um mosquito e precisou ficar internada. O tratamento do meu filho ficou caro, e a gente gastou dinheiro sem ter. Sabendo que finalmente as obras estão chegando, nosso coração se enche de esperança”, contou a dona de casa.
A primeira fase da construção dos sistemas de esgoto será concluída ainda este ano, como explica Felipe Esteves, diretor da Águas do Rio. “A primeira etapa termina no final deste ano, com a entrada em funcionamento da ETE, que terá capacidade para tratar o esgoto coletado pelas redes que já estiverem prontas. À medida em que formos assentando novas tubulações, a estação vai sendo ampliada”, conta Esteves, que acrescenta a importância de as pessoas fazerem as ligações de esgoto quando os sistemas estiverem disponíveis.
“A população não pode abrir mão de utilizar a rede pública de esgoto, porque isso implica na saúde. Existem mais de 100 doenças que surgem pelo contato com esgoto sem tratamento, e todo dia há pessoas sendo hospitalizadas por doenças de veiculação hídrica, como a diarreia, leptospirose, hepatite, que muita gente nem associa ao contato com o esgoto”, afirmou Esteves, que atua na Baixada.
Durante a cerimônia que marcou o início das obras, em Japeri, a moradora do município e presidente do Centro de Integração Cultural e Social Mão Amiga, Izabel dos Santos, falou sobre a expectativa de ver sua cidade com esgotamento sanitário pela primeira vez.
“Estou muito feliz com a chegada dessas obras que vão impactar positivamente todo o nosso município, que vem sofrendo com valas negras. Nossas crianças vivem aqui sem saúde nenhuma por conta da falta de saneamento básico”, falou.
Além de saúde e dignidade, o esgotamento sanitário vai impactar positivamente o meio ambiente, especialmente o Rio Guandu, onde é captada a água que abastece 80% da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O manancial tem sofrido por décadas com a poluição e o descarte irregular de lixo e esgoto. Com a conclusão das obras, cerca de 51 milhões de litros de esgoto deixarão de ser lançados nesse ecossistema, que terá uma água com melhor qualidade para ser tratada e distribuída para 9 milhões de pessoas.
A notícia foi recebida com alegria pela família de Priscila Amorim, que ao longo de três gerações sobreviveu da pesca e acompanhou a triste degradação do Guandu. “O Guandu era sinônimo de vida, nossa fonte de renda. Meu avô e meu pai foram pescadores, e há 20 anos, quando me casei, meu marido também se apaixonou por essa profissão. Durante décadas, foi deste rio que tiramos o nosso sustento. Mas, com a poluição, os peixes se tornaram cada vez mais raros, inviabilizando o trabalho de dezenas de famílias. Meu marido começou a trabalhar como servente de obras, e nossa renda foi reduzida em mais de 80%. Meu sonho é ver o Guandu despoluído para que eu possa viver da pesca novamente. E não só isso, mas ver novamente a vida no meu pantanal iguaçuano”.