A crônica da saudade

Às vezes penso ter uma pena mágica. O que com ela transcrevo tem a condição de trazer-me de volta ao passado, como se o já vivido ainda me fosse presente. Às vezes penso ser encantada a vidraça de minha janela preferida. O que dela vejo é bem o que quero rever: as ruas pequeninas do meu Mirai, a pracinha e a igreja que para mim tinha a torre mais alta do mundo; a escola de minhas primeiras letras, o primeiro poema e as brincadeiras no recreio. Ainda vejo rolar a bola com a qual driblava a incrível realidade crua; o céu onde empinava sonhos em forma de papagaio, minha liberdade de pombinha branca…

Olho minha cidade de uma vidraça distante, do último andar… Sonho, canto, tenho saudades e quero novamente o silêncio de suas ruas, a poesia dos barquinhos oscilantes nas poças d água que a chuva de ontem deixou, os circos mambembes e as pantomimas cheias de inocência dos palhaços de outrora.

Busco aquele par de olhos castanhos da menina que tanto me encantou, a canção de amor tocada no serviço de alto-falante do parque de diversões que veio de longe, e o mesmo jardineiro que me dava broncas por ter pisado na grama. Quero o sorvete saboroso, o borbulhar das bolhas de sabão, correr nos campos, colher margaridas e doá-las após ao amor proibido…

O que quero mesmo é voltar a ser embalado pela canção operária das máquinas de suas fábricas de tecidos, ver o tráfego congestionado pelos operários de volta à suas casas depois de mais um dia de labor.

Na verdade, meu Mirai, não quero muito. Gostaria apenas de voltar a vê-lo de uma janela humilde lá na Rua Senhor dos Passos.

Envie seu comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.