● Elizeu Pires
Não sei quantos habitantes haviam em Mirai durante a minha infância, mas uma coisa era certa, todos – não importa se criança ou velho – tínhamos um “afilhado” em comum: Joventino, um inocente que a todos saudava com um “bença, padim!”
Quando eu contava seis ou sete anos de idade, Joventino já passava dos trinta, mas eu também era chamado de “padim” e sustentava longos diálogos com o “afilhado” que pedia benção a todos nós. Joventino não tinha morada certa. Vivia nas ruas, visitava todas as casas e sempre era bem recebido por uma plateia atenta às suas histórias.
Era o deficiente mental mais lúcido que conheci. Tratava a todos com respeito, carregava em seu ser uma religiosidade própria e acompanhava procissões e enterros. Rezava do lado de fora da Matriz de Santo Antônio, porque lá dentro o padre Ernesto não o deixava ficar, mas sua entrada era franca na igreja protestante, onde entoava uma música sacra tradicional das Assembleias de Deus: “Foi na cruz, foi na cruz, onde um dia eu vi meus pecados castigados em Jesus…”
Joventino era uma das muitas figuras folclóricas de Mirai. Lá viviam ainda os espetaculosos Quirino e Lambreta, Irene e Mercedinha, que se tornavam agressivos e jogavam pedras contra os moleques que os importunavam.
Joventino não. Esse era doce, tinha uma inocência especial e, às vezes, me parecia um anjo, uma espécie de mensageiro da paz.