Morava com meus pais e 10 irmãos na Rua Senhor dos Passos, 74, a Rua da Cadeia. Não raramente ouvia os gritos de um ou outro “ladrão de galinha” durante o castigo imposto pela polícia da época aos miseráveis pegos por pequenos crimes, mas tratados como grandes ameaças à sociedade. Escutava aquilo e até achava normal o corretivo aplicado pelos soldados. Era um menino de cinco ou seis anos de idade e morria de medo da polícia: pensava que os policiais – envergando vistosas fardas cáquis – estivessem acima do bem e do mal; que podiam surrar quem bem entendessem. Talvez tenha sido por isso que, como jornalista, denuncie tantos casos de violação aos direitos humanos.
Guardo muitas lembranças dos vizinhos. Principalmente das broncas do Sr. Braga, quando eu, menino levado, deixava cair no quintal alheio as pedras que, lançadas de uma atiradeira, teimavam em acertar o alvo errado. Porém, tenho recordação toda especial de dona Lurdes, o amor personificado. Sorriso como o dela só mesmo os de minha mãe, dona Neuza e de minha avó emprestada, dona Elisa, que morreu sem rever esse “neto” ingrato.
Era na casa de dona Lurdes, tia de Fernando – meu melhor amigo e rival no amor de Rosangela – que eu encontrava abrigo quando meu severo pai, não entendendo as razões de minha peraltice, me dava algumas lambadas. Além do carinho, dona Lurdes tinha sempre uns bolinhos-de-chuva e um copo de leite, que me consolavam tanto quanto seus carinhos e o sorriso.
A bondosa vizinha morava na subida da Rua Nova e sua casa era separada da minha apenas por uma bonita cerca de bambu envernizado, na qual, constantemente, faltavam algumas lascas, as quais eu arrancava para tornar mais fácil o acesso ao meu abrigo.
Talvez dona Lurdes não tenha tomado conhecimento, mas era eu o causador do desaparecimento das maçãzinhas verdes que brotavam num arbusto tímido que ela tinha no quintal.
Realmente eu fui uma criança muito feliz.