Pobreza sustenta maus políticos na Baixada Fluminense

A distribuição de alimentos no município de Magé é citada até em pesquisa de intenção de votos

Saco de cimento, botijão de gás e cesta básica funcionam como moeda de troca numa região onde um terço da população sobrevive com meio salário mínimo. Cirurgias de laqueadura de trompas também

Qual o valor de um voto? A resposta depende muito de quem ouve a pergunta. Se dirigida a um eleitor esclarecido o “não tem preço e sim conseqüência” vai estar na ponta da língua. Entretanto, se a indagação for feita a boa parte dos moradores de bairros carentes das localidades de Piabetá, Mauá e Surui, no município de Magé, o voto tem preço e este pode ser um saco de cimento, um botijão de gás ou uma cesta básica, moedas de troca muito conhecidas, em circulação também em comunidades de Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Nova Iguaçu, Queimados, Japeri, Paracambi e Seropédica, enfim, em toda a Baixada Fluminense, onde a pobreza é o sustento dos maus políticos, exploradores da miséria alheia, que lhes tem garantido sucessivos mandatos.

Nas áreas mais pobres de Magé, por exemplo, a distribuição de alimentos é tão ligada ao voto que a situação virou questionário de pesquisa. Nos dias 11 e 12 de junho o Instituto GPP realizou uma consulta de intenção de votos, entrevistando 400 eleitores em 25 bairros e 4,6% dos consultados responderam que votariam em determinado candidato porque ligaram o nome dele à distribuição de “bolsas com legumes”. A pesquisa foi registrada junto à Justiça Eleitoral com o protocolo RJ-05859/2016, mas não foi divulgada, talvez porque o candidato interessado apareceu com elevado índice de rejeição e foi citado por 24,2% dos entrevistados na resposta a seguinte pergunta: “Qual destes candidatos é mais ligado à corrupção?” Em Japeri, município mais pobre da Baixada Fluminense, a cesta básica é a moeda corrente mais usada, mas há casos, dependendo do tamanho da família (do número de eleitores), em que a moeda é bem mais forte, uma cirurgia de laqueadura de trompas, também distribuída à farta em Belford Roxo, onde alguns políticos já foram denunciados por essa prática, mas até hoje nenhum deles perdeu o mandato por causa disso.

Este ano a fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral foi reforçada e está sendo muito rigorosa e algumas prisões até já ocorreram, principalmente por conta do recolhimento de cópias de títulos para a chamada “boca de urna”, uma prática de distribuição de propaganda no dia da eleição que nem existe mais, mas o nome foi mantido no mercado criminoso da compra e venda de votos, por preços que variam de R$ 50 a R$ 75, podendo chegar a R$ 100, dependendo do comprador.

De acordo com um estudo realizado em 2014 pela doutora em Economia e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Valéria Pero, a realidade socioeconômica da Baixada Fluminense pode ser considerada uma vergonha nacional: 33,7% dos 3,6 milhões de habitantes da região viviam naquele ano com até meio salário mínimo. Nesta situação foram contabilizadas 1.213.297 vivendo abaixo da chamada linha da pobreza, sendo que 507.640 sobreviviam com até 25% do salário. Como a pesquisa tomou por base os registros do Censo 2010, os números podem até ser mais altos hoje.

A pesquisa mostrou que Japeri é o município com o pior índice: 45,9% dos moradores contam com renda de até meio salário. Em segundo lugar apareceu Belford Roxo – com 37,7% da população abaixo da linha de pobreza -, seguido de Queimados (37,5%), Nova Iguaçu (35,5), Magé 34,85), Duque de Caxias (32,8%), Paracambi (32,4%), Itaguaí (32,3%), Mesquita (30,9%), Seropédica (30,4%) e Nilópolis (23,3%).

 

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