Ex-ministro da Justiça diz que processo eleitoral é vítima de insegurança jurídica

José Eduardo Cardozo participou de videoconferência no 1º Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral

 Passados 10 anos da Lei da Ficha Limpa (lei complementar nº 135/2010), o dispositivo legal que representou uma verdadeira revolução para o processo eleitoral brasileiro e, que ainda hoje, é motivo de questionamentos na Justiça Eleitoral, teve seu uso desvirtuado, segundo o relator da matéria, advogado e ex-ministro da Justiça entre 2011 e 2016, José Eduardo Cardozo (foto).

“Não imaginei que a Lei da Ficha Limpa sedimentaria o caminho futuro para atacar a presunção de inocência no campo penal. A interpretação da lei abriu as portas para algo que me parece inaceitável, que é a ofensa da presunção de inocência, como previsto no texto constitucional de 1988”, lamenta o ex-ministro, em sua fala na videoconferência Elegibilidade e Causas de inexigibilidade, promovida pelo 1º Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral (Conbrade), nessa terça-feira, 25 de agosto.

Na prática, enquanto os requisitos de elegibilidade devem ser cumpridos pelo candidato a um cargo público, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 (CF 1988) no seu artigo 14º, os casos de inexigibilidade, que compõem o mesmo artigo são discutidos, em sua maioria, na esfera jurídica, onde impera um cenário de grande insegurança dos dispositivos legais, que são modificados e/ou interpretados caso a caso.

“O Brasil vive um processo perigoso de judicialização da política, com direito a ativismo judicial, a partir da produção normativa da Justiça Eleitoral que extravasa os limites de interpretação plausíveis, e aplicação do lawfare, de acordo com a ocasião, clamor público, etc”, destaca.

Em sua fala, a advogada, professora e membro da Abradep, Ana Carolina Clevè, ressaltou que o Brasil exagera na legislação para quem pretende disputar um cargo político e que, em nenhum dos tratados internacionais dos quais o país é signatário há exigências do gênero ou à excessiva tutela do eleitor.

“Todas as hipóteses são válidas e legítimas, mas exageradas. Não se pode permitir o crescimento do direito eleitoral do inimigo, o lawfare na esfera judicial. Precisamos repensar e colocar freio de arrumação nesse papel de ‘limpeza’ que a justiça eleitoral tomou para si, como se ela pudesse resolver problemas de improbidade administrativa e de corrupção no Brasil”, analisa.

O promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Edson de Rezende Castro, ressalta que a admissão ou não da candidatura política é um dos momentos mais importantes do processo eleitoral. No entanto, o questionamento judicial das causas de inexigibilidade, sem a definição de prazos para tramitação ou para julgamento das ações, tem se tornado um problema, já que existe o risco de que o candidato eleito e empossado perca o direito durante o exercício do mandato, como tem ocorrido muito no país.

“O adiamento das eleições de 2020, para 15 de novembro, por meio da emenda constitucional nº 107/2020, muda as regras da disputa eleitoral durante o ano em que elas deveriam estar consolidadas, o que pode trazer perturbação na disputa porque estamos diante da possibilidade do retorno de candidatos condenados pela lei da Ficha Limpa ao jogo eleitoral. Ao trazer o inelegível de volta, a emenda o favorece, mas prejudica os demais concorrentes do pleito”, conclui.

Conbrade – O 1º é uma iniciativa da Associação Mineira de Defesa dos Direitos do Advogado – Artigo Sétimo, com apoio institucional da Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). A programação do evento termina em 3 de setembro, com uma videoconferência sobre fake news.

Envie seu comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.