O Palácio do Planalto foi palco ontem (28/2), da renovação de um pacto entre governo federal e sociedade civil organizada. Um pacto pela segurança alimentar. Um pacto pelo enfrentamento da fome. Um pacto pela promoção do direito à alimentação saudável pelo menos três vezes ao dia. Um pacto pela busca pela produção de comida de qualidade e que reconheça saberes, sabores, fazeres e falares. Um pacto pela formulação de políticas públicas consensuais e eficientes.
Todos esses ingredientes estiveram presentes na cerimônia que reestabeleceu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea, num evento repleto de integrantes de movimentos sociais, de ministros e de parlamentares.
Extinto em 2019, o Consea foi retomado no primeiro dia da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta terça, Lula assinou decretos que dispõem sobre a competência e funcionamento do Consea, deu posse aos integrantes e assinou um outro decreto para reinstituir a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, a Caisan.
Órgão de assessoramento imediato à Presidência da República, o Consea é um importante espaço institucional para a participação e o controle social na formulação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Um terço dos representantes são governamentais e dois terços, da sociedade civil organizada.
Criado em 1993 pelo presidente Itamar Franco, foi em 2003, no primeiro governo do presidente Lula, que o Consea passou a estar mais conectado à Presidência da República. “Só assim a gente garante que seja um instrumento de pensamento, de construção e de execução de políticas para cuidar do combate à fome e à miséria”, disse o presidente. “Quando a gente confia no povo e permite que o povo decida a política que vamos implementar, a certeza do sucesso é muito real”, completou Lula.
O povo presente no Consea não é conceito etéreo. Ele traduz a diversidade que molda a sociedade brasileira. “Quem é a sociedade civil? São quebradeiras de coco, pescadores, indígenas dos quatro cantos, agricultores familiares, camponeses, negros e negras, representantes do semiárido, do campo, das florestas, das águas. Gente com diversas formas de reverência ao sagrado”, listou a presidente do Consea, Elisabetta Recine.
Essa diversidade implica transversalidade no governo federal. Por isso, o tema do combate à fome e da segurança alimentar envolve nada menos que 24 ministérios. “Juntos, mobilizados, vamos tirar o Brasil do Mapa da Fome e da Insegurança Alimentar mais uma vez. Não basta sermos o quarto maior produtor de alimentos. Precisamos fazer esses alimentos chegarem à mesa do povo brasileiro”, disse o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.
Entre outras atribuições, o Consea é responsável por propor à Caisan as diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com base nas deliberações das Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional. “O Consea é o espaço legítimo para confluir, convergir e articular todas as dinâmicas e compromissos do governo”, definiu Elisabetta Recine.
No lado do governo federal, o presidente Lula antecipou que o combate à fome será feito em várias frentes. Tanto na compra direta da produção de agricultores familiares, quanto no desenho e retomada do Bolsa Família, como também em políticas de valorização do salário mínimo, de equalização dos ganhos de homens e mulheres na mesma função e em um programa para ajudar brasileiros em condição de endividamento. “Temos de recuperar o compromisso com o povo brasileiro não apenas de comer três vezes ao dia, mas de andar de cabeça erguida, de fazer esse povo ter orgulho de ser brasileiro, desse povo ter orgulho de ter trabalho decente, de ter escola de qualidade”.
Mapa da fome — A volta do Brasil ao Mapa da Fome foi uma das mais drásticas consequências do desmonte de políticas públicas promovido nos últimos quatro anos. Pesquisa realizada em 2021-2022 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) demonstrou uma grave escalada da fome no Brasil no período. Em 2022, 33,1 milhões de brasileiros não tinham suas necessidades alimentares básicas atendidas, ou seja, passavam fome, e seis em cada dez brasileiros (58,7% da população) convivia com algum grau de insegurança alimentar.
Esse quadro instalou-se apenas oito anos após o Brasil sair do Mapa da Fome da ONU, em 2014, depois de reduzir em 82% a população de brasileiros considerados em situação de subalimentação, de acordo com relatório da Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). O reconhecimento internacional foi resultado de políticas públicas adotadas, desde 2003, pelos governos Lula e Dilma Rousseff, com forte atuação do Consea.
“De todos os problemas, o mais revoltante, vergonhoso e criminoso é o da fome. Somos um dos maiores produtores mundiais de alimentos. Com terra e clima desenhados para a agricultura sustentável. Temos recursos mais do que suficientes para garantir a segurança alimentar e nutricional do povo, e ainda assim milhões passam fome”, constatou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo.
Garantia democrática – O paulista Edgar Moura, conselheiro do Consea, não tem dúvidas: para vencer a fome e o racismo estrutural no Brasil, é essencial haver articulação entre gestão pública e sociedade civil. “Estamos falando nada mais nada menos do que garantia de direitos. O Consea é isso. Essa participação social envolvendo o poder público, os três poderes e a sociedade civil organizada, discutindo, debatendo e propondo políticas públicas”, disse.
Professora da UERJ e representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva no Consea, Inês Rugani define o retorno do Consea como um recado muito claro do interesse em garantir o estado democrático de direito e de olhar com mais precisão para a mudança de paradigmas. “Em termos efetivos, uma coisa importante é que o sistema de segurança alimentar e nutricional é supraministerial, depende do diálogo, e o Consea é um espaço essencial de diálogo e concertação, de construção de consensos, de aprendizados mútuos entre sociedade e governo”, definiu.
(Com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República)