Mais de 270 mil pessoas que moram nas favelas do Rio, atualmente, deixam de ter fornecimento de água pelo menos duas vezes por semana. O dado, que consta na pesquisa: “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas”, elaborado pela Rede Favela Sustentável, foi apresentado durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), realizada ontem (29), na sede do Parlamento. A estatística é resultado de uma pesquisa feita em 15 comunidades do Grande Rio, segundo a coordenadora da instituição, Theresa Williamson.
Após ouvir os números apresentados e as reclamações dos moradores quanto à instabilidade no fornecimento de água, a falta de qualidade e os preços abusivos das contas, a deputada Dani Monteiro (PSol), presidente da Comissão, antecipou que vai criar um Projeto de Lei que determine a distribuição de uma quantidade mínima de água sem cobrança de tarifa, conceito conhecido como “mínimo vital”. Além disso, ela também pretende apresentar uma legislação que puna as empresas que descumprirem este acordo.
“Ouvimos muitas reclamações e já estamos nos mobilizando como colegiado para apresentar esse projeto de lei. Mas, além disso, vamos trabalhar junto ao Parlamento para que inclua novamente na pauta o Projeto de Lei 5.684/22, que estabelece a tarifa social de fornecimento de água e manutenção da rede de esgoto. Isso é urgente e a sociedade pede socorro”, ponderou Dani.
Nova plataforma – A deputada ainda lançou a plataforma de fiscalização popular Olho na Água, para que o cidadão possa realizar a sua denúncia. “Esse projeto é da comissão em parceria com a Rede Favela Sustentável. A ideia é reunir todas as reclamações em um só lugar para que a gente consiga ter um levantamento ainda mais robusto e preciso quanto ao nosso problema, para no futuro cobrar medidas do Estado e da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa)”, explicou a parlamentar.
Entre os problemas identificados na pesquisa da Rede Favela Sustentável foi destacado também que 25% dos moradores das favelas do Rio sentem um gosto insalubre na água e 31% são obrigados a tomar água da bica para se hidratar.
“Estamos falando de um bem que é direito de todos e de necessidade básica para a subsistência humana. Notar que um número alto da população não tem esse direito garantido é no mínimo um ato criminoso. Temos que pontuar ainda as mudanças climáticas que estamos vivendo com as altas temperaturas. Segundo pesquisa da Fiocruz UFRJ-UNB, entre 2000 e 2018, mais de 48 mil pessoas morreram devido às ondas de calor nas regiões metropolitanas brasileiras. Água é vida”, contou a coordenadora da Rede de Favela Sustentável.
Tarifa social – Moradores das comunidades também relataram dificuldade em conseguir o benefício da Tarifa Social, por meio da qual o cliente, após atender alguns requisitos, passa a pagar o valor mensal de R$ 22,65, para ter um consumo mínimo de até 15 mil litros de água para o período de 30 dias. Eles disseram que a lista de documentos para ter o benefício é complexa e extensa e que o incentivo é limitado.
“Ainda não está claro para o usuário da tarifa social o que ele precisa apresentar para comprovar renda e aderir ao benefício. Além disso, estamos falando de moradores de favelas que muitas vezes não têm todos os documentos de fácil acesso e estão tendo a sua água cortada por não possuírem condição de pagar o preço da fatura. Fora isso, é preciso avaliar os casos individualmente, já que tem famílias que trabalham em casa e dependem de um fornecimento maior de água”, justificou Ana Lúcia Britto, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas e pesquisadora do Observatório das Metrópoles.
Ainda segundo a pesquisa da Rede Favela Sustentável, 69% dos entrevistados afirmaram que, caso a conta de luz fosse reduzida pela metade, utilizariam este dinheiro para comprar comida.
Em resposta, o diretor da concessionária Águas do Rio, Sinval Andrade, disse que 18% dos clientes da empresa, em apenas uma região, são contemplados com a Tarifa Social e afirmou que não há um limite de vagas para a concessão do incentivo. “Seguimos os mesmos critérios da época da Cedae. Temos uma responsabilidade social dentro do nosso trabalho, basta a tarifa ser requerida pelo consumidor e atender aos critérios conhecidos pelo Decreto Estadual 25.438/99”, afirmou Sinval.
Fiscalização – Indagado sobre a fiscalização das empresas, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) informou que atua em cima do que está estabelecido em contrato.
“Temos a função de punir as empresas, mas com base no que está previsto na modelagem que foi desenhada pelo BNDES. E nem tudo que está previsto dentro da legislação é factível de ser aplicado e ao longo do percurso é preciso alterarmos; e a agência complementa essa regra com algumas deliberações normativas feitas durante o processo”, ponderou o gerente da Câmara de Saneamento Básico, Robson Cardinelli.