“Bença, padim”

● Elizeu Pires

Não sei quantos habitantes haviam em Mirai durante a minha infância, mas uma coisa era certa, todos - não importa se criança ou velho - tínhamos um "afilhado" em comum: Joventino, um inocente que a todos saudava com um "bença, padim!"

Minha escola preferida

● Elizeu Pires

Foi no Grupo Escolar Dr. Justino Pereira onde aconteceu meu primeiro encontro com as letras. Lá estudei durante quatro anos. Tive a felicidade de conhecer a austeridade do professor Álvaro e o carinho de dona Marieta, servente que distribuía a merenda e tratava a todos nós como netos, dando-nos muito mais que sustento para o corpo: oferecia-nos carinho e o amor que alimentava nossa alma. Lá fui premiado com a dedicação das professoras Maria Ester Miranda, Maria do Carmo, Maria Celeste e Maria das Graças Loures Esperança, seres maravilhosos que Deus colocou em minha vida para me apontarem o caminho a ser seguido.

Dona Lurdes

Morava com meus pais e 10 irmãos na Rua Senhor dos Passos, 74, a Rua da Cadeia. Não raramente ouvia os gritos de um ou outro “ladrão de galinha” durante o castigo imposto pela polícia da época aos miseráveis pegos por pequenos crimes, mas tratados como grandes ameaças à sociedade. Escutava aquilo e até achava normal o corretivo aplicado pelos soldados. Era um menino de cinco ou seis anos de idade e morria de medo da polícia: pensava que os policiais - envergando vistosas fardas cáquis - estivessem acima do bem e do mal; que podiam surrar quem bem entendessem. Talvez tenha sido por isso que, como jornalista, denuncie tantos casos de violação aos direitos humanos.

Guardo muitas lembranças dos vizinhos. Principalmente das broncas do Sr. Braga, quando eu, menino levado, deixava cair no quintal alheio as pedras que, lançadas de uma atiradeira, teimavam em acertar o alvo errado. Porém, tenho recordação toda especial de dona Lurdes, o amor personificado. Sorriso como o dela só mesmo os de minha mãe, dona Neuza e de minha avó emprestada, dona Elisa, que morreu sem rever esse “neto” ingrato.

A crônica da saudade

Às vezes penso ter uma pena mágica. O que com ela transcrevo tem a condição de trazer-me de volta ao passado, como se o já vivido ainda me fosse presente. Às vezes penso ser encantada a vidraça de minha janela preferida. O que dela vejo é bem o que quero rever: as ruas pequeninas do meu Mirai, a pracinha e a igreja que para mim tinha a torre mais alta do mundo; a escola de minhas primeiras letras, o primeiro poema e as brincadeiras no recreio. Ainda vejo rolar a bola com a qual driblava a incrível realidade crua; o céu onde empinava sonhos em forma de papagaio, minha liberdade de pombinha branca...

Olho minha cidade de uma vidraça distante, do último andar... Sonho, canto, tenho saudades e quero novamente o silêncio de suas ruas, a poesia dos barquinhos oscilantes nas poças d água que a chuva de ontem deixou, os circos mambembes e as pantomimas cheias de inocência dos palhaços de outrora.

A roda d água

● Elizeu Pires

Fui uma criança feliz, um menino levado como a maioria dos moleques que davam vida ao lugar onde nasci. Tinha uma jabuticabeira só minha e, de sobra, podia correr livre pelas ruas quase sem movimento lá de Mirai. Andava descalço e nem me importava com as pedras que ainda hoje pavimentam aquelas ruazinhas que a mim pareciam grandes avenidas, vias próprias para o escoamento dos meus sonhos.