Contra doutrinação religiosa na PRF Ministério Público Federal reforça princípio da laicidade na instituição

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Polícia Rodoviária Federal (PRF) que encerre a prestação de serviços de assistência religiosa e espiritual a servidores e seus familiares. A recomendação foi expedida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), três anos após a Direção-Geral da PRF e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) terem afirmado que cumpririam recomendação anterior. Na ocasião, as instituições se comprometeram a cessar a distribuição de Bíblias e atividades de assistência espiritual, de cunho religioso, proselitista ou devocional, de qualquer orientação religiosa.

Apesar da resposta positiva às recomendações conjuntas da PRDC-RS e PRDC-RJ, expedidas em 2022, nova notícia de fato foi apresentada ao MPF apontando possível doutrinação religiosa em forças policiais brasileiras. Com o objetivo de colher mais elementos informativos, foi instaurado inquérito civil.

Apuração – Durante o inquérito, a Diretoria da PRF informou que a assistência espiritual encontra-se incorporada às ações voltadas à saúde integral do servidor, conforme Portaria DGP/PRF nº 1737/2023, que instituiu a Comissão de Assistência Espiritual, responsável por desenvolver atividades de apoio espiritual e religioso voltadas a policiais rodoviários federais, servidores administrativos e seus familiares.

A Superintendência da PRF no Rio de Janeiro também informou que há três servidores da PRF/RJ nomeados por ato da Direção de Gestão de Pessoas para atuar na área de espiritualidade, e que a Comissão de Assistência Espiritual integra a estrutura administrativa da instituição. Além disso, foi obtida informação sobre um Plano de Trabalho Piloto do Serviço de Assistência Espiritual, na Sede Nacional da PRF, que, embora apresente a premissa do diálogo religioso e ecumênico, adota uma única cosmovisão e possui natureza religiosa, voltada a atender “três matrizes religiosas cristãs: católicos, evangélicos e espíritas”.

O MPF reforçou que a atuação isenta e secular do Estado visa evitar discriminação, exclusão e marginalização de pessoas que não compartilham da religião majoritária. O órgão lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu pela inconstitucionalidade de práticas que envolvem favorecimento religioso em instituições públicas, como no julgamento do agravo em recurso extraordinário (ARE) 1.014.615/RJ, no qual considerou inconstitucional a obrigatoriedade de manutenção de exemplares da Bíblia em bibliotecas públicas.

O procurador da República Jaime Mitropoulos, autor da recomendação, também citou a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 3478/RJ, que tratou de dispositivo da Constituição do Rio de Janeiro que previa a designação de pastor para desempenhar a função de orientador religioso na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar. Na oportunidade, o STF declarou que o Estado brasileiro deve assegurar respeito e igual consideração a todos, no contexto de uma sociedade multicultural. Além disso, na ADI 4.439/DF, o Supremo Tribunal Federal reiterou a obrigatoriedade do tratamento isonômico por parte do Estado, vedando-se o favorecimento ou hierarquização de orientações religiosas.

A PRDC-RJ explicou que é inequívoca a relação direta entre a laicidade do Estado e o princípio da igualdade e que, em uma sociedade plural, na qual convivem pessoas das mais variadas orientações religiosas, bem como aquelas que não têm orientação religiosa alguma, o princípio da laicidade é fundamental para assegurar o tratamento respeitoso em relação a todos. No ponto, acrescentou que a predileção do Estado a um grupo de religiões, mesmo sendo de vertentes amplamente majoritárias, configura injustificada discriminação aos demais cidadãos, que assim são tratados como excluídos e menos dignos de reconhecimento.

Por fim, o MPF destacou que o Brasil assumiu compromissos internacionais, dentre as quais a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, com o objetivo de enfrentar e reparar práticas discriminatórias e distorções resultantes do processo de formação social do país, prevendo políticas, programas e ações para eliminar obstáculos estruturais e institucionais históricos, nas esferas pública e privada, promovendo o respeito à diversidade religiosa e assegurando condições para a igualdade de oportunidades e o exercício dos direitos e liberdades fundamentais.

(Via Ascom/Procuradoria da República no Rio de Janeiro)