A maternidade fora do cárcere

Até a decisão do STF cerca de 2 mil crianças estavam com as mães em presídios (Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ)

Presas retomam a vida junto dos filhos após decisão do STF

Quando foi presa pelos policiais, em setembro do ano passado, Taiane Gonçalves ainda estava amamentando o filho Enzo, de 1 ano e 8 meses. Durante cinco meses, ela só teve notícias do bebê, seu primeiro filho, por meio de parentes, pois não queria que ele frequentasse o Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha (SP), onde ela estava detida. De longe, ficou sabendo que Enzo, mesmo tão pequeno, sentiu o afastamento e demorou para se acostumar com a falta da mãe. “Ele ficou com febre, perguntando por mim, estranhando as pessoas. Ficar longe dele foi a pior situação possível que eu passei, porque somos muito apegados, sempre estivemos juntos”, diz a mãe, de 23 anos, acusada de tráfico de drogas, associação ao tráfico e porte de arma.

Em fevereiro deste ano, Taiane foi a primeira mulher do país beneficiada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou um habeas corpus coletivo para substituir a prisão preventiva por domiciliar para presas de todo o país que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência. Um dia depois da votação no STF, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Joel Ilan Paciornik determinou a substituição da prisão preventiva de Taiane pela domiciliar. Na decisão, ele afirmou que, apesar de estar sob os cuidados de parentes, o contato permanente da criança com a mãe “mostra-se essencial ao seu desenvolvimento, além de ser um direito previsto em inúmeros dispositivos legais”.

No dia do esperado reencontro com o filho, Taiane sentiu uma mistura de alegria e decepção, porque a criança não a reconhecia mais, depois de ficar tanto tempo sob os cuidados da avó paterna. “Ele não me reconheceu, não queria vir para mim, não sabia quem era a mãe dele, tinha esquecido já. Só depois de umas duas semanas ele voltou a ficar comigo de novo, me chamar de mãe”, conta.

Antes do habeas corpus, Taiane estava presa de forma provisória. Atualmente, teve a prisão domiciliar revogada e aguarda o fim do julgamento em liberdade. Seu companheiro assumiu a posse pelas drogas que estavam escondidas na casa dela.

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 10.321 presas em todo o país atendem os requisitos da decisão do STF e poderiam ser beneficiadas com a medida, assim como Taiane. O STF deu 60 dias para que os tribunais de Justiça dos estados cumprissem integralmente a decisão e liberassem as presas grávidas ou com filhos pequenos para aguardar o julgamento em casa. O prazo terminou no início de maio, mas em muitos estados, presas que atendem aos requisitos determinados pela Corte ainda estão encarceradas. A concessão da prisão domiciliar ainda ocorre de forma lenta, segundo entidades e órgãos ouvidos pela Agência Brasil que acompanham o assunto.

Para o Dia das Mães, Taiane não tem planos especiais, só ficar perto do filho e da família. “Agora é só felicidade. Quem diria que eu estaria aqui fora perto dele. É o que eu quero agora, viver minha vida da melhor forma”, diz.

Maternidade digna – Em 2016, o Brasil aprovou o Marco Legal da Primeira Infância, que entre outras proteções a crianças de até 6 anos, modificou o artigo 318 do Código de Processo Penal para incluir novas hipóteses de prisão domiciliar. Além dos casos de pessoas acima de 80 anos, com doenças crônicas, mães com filhos menores de 6 anos, com deficiência ou dependentes de cuidados especiais, situações já previstas na lei, o dispositivo passou a assegurar prisão domiciliar também a mulheres gestantes, mães com ao menos um filho até 12 anos, e também a homens com ao menos um filho da mesma idade, quando caracterizado serem eles o único responsável pela criança. “Toda mulher tem direito de exercer a maternidade de maneira digna. Essas mulheres são capazes de amar seus filhos e nós temos que propiciar que isso aconteça de uma maneira digna, respeitando seus direitos e os direitos das crianças”, defende o advogado Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, organização da sociedade civil que atuou como amicus curiae no julgamento da ação no STF.

O advogado explica que a decisão do Supremo favorece principalmente as crianças, para que elas possam ter um desenvolvimento adequado e sadio ao lado das mães. “Nenhuma criança merece passar um dia sequer dentro de um presídio. A gente sabe que as condições nos presídios femininos são insalubres, com altos índices de doenças transmissíveis como tuberculose, aids, nenhuma criança merece ter esse tratamento assim que chega ao mundo”, diz.

Demora para o cumprimento da medida – A falta de documentos das mães e das crianças e a não priorização por parte dos juízes para determinar a prisão domiciliar são as principais causas apontadas pelo defensor público-geral da União, Carlos Eduardo Paz, para a demora no cumprimento da decisão do STF. Ele já pediu informações para todas as defensorias estaduais para entender quais são os principais obstáculos para a liberação das presas que deveriam ser beneficiadas pelo habeas corpus coletivo. “Temos notícias de casos em que a questão é tratada como qualquer outra, ou seja, não parece que tem uma ordem do Supremo, não parece que tem um prazo a ser cumprido”, diz o defensor. A Defensoria Pública da União (DPU) também quer saber se existem dificuldades estruturais para o cumprimento da medida, como falta de tornozeleira eletrônica ou de equipe multidisciplinar para monitorar a prisão domiciliar.

Para Paz, a demora na liberação das presas pode prejudicar mães e crianças. “Se você faz uma lei para proteger a primeira infância, você está reconhecendo que o tempo passa. E um dia a mais ou a menos de cárcere na vida de uma criança, de uma gestante, de uma lactante traz máculas e deixa marcas que não sabemos como isso vai repercutir lá na frente”, diz.

A defensora pública do Distrito Federal Karoline Leal também considera que há uma resistência dos juízes para analisar a possibilidade de prisão domiciliar. “Os juízes estão muito reticentes em promover análises ou reanálises de prisão de ofício, eles ficam aguardando uma ação da defesa como se essa fosse uma atribuição só da defesa. Na verdade, a decisão do STF foi muito clara para que o próprio Judiciário fizesse essa reanálise, já que o Supremo indicou que os direitos das mulheres e das crianças não têm sido observados”, relata a defensora.

O habeas corpus coletivo foi apresentado no STF pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos. A advogada Eloísa Machado, uma das signatárias do pedido, também acompanha a execução da medida. Segundo ela, dos 3,3 mil pedidos feitos em favor de mulheres presas provisórias grávidas ou mães de crianças até 12 anos no estado de São Paulo, pouco mais de 1,5 mil foram julgados.

 

(Sabrina Craide – Agência Brasil)

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